Artigo: Após "fishing expedition" vazamentos e tortura, Moraes manda soltar presos no caso do cartão de vacina
Por Paulo Figueiredo Filho
O ministro Alexandre de Moraes recentemente concedeu liberdade (parcial) a quatro presos da operação Venire, um caso que investiga a falsificação de cartões de vacinação contra a Covid-19. Antes, o ministro já havia liberado Max Guilherme, ex-segurança do presidente Jair Bolsonaro, e Mauro Cid. Com essa última decisão, nenhum dos indivíduos envolvidos na operação realizada em maio deste ano permanece atrás das grades.
Vamos pousar os pés firmemente no solo da realidade para entender o contexto dessa situação. As pessoas presas, incluindo vários militares e cidadãos respeitáveis, foram acusadas de uma suposta fraude em um sistema de vacinação.
Permitam-me afastar o óbvio, mas acessório: a esta altura, é do conhecimento público que a obrigatoriedade dessa vacina foi precipitada e suas garantias de segurança exageradas, enquanto seus riscos foram convenientemente minimizados. A decisão de contornar uma lei nociva, imoral e inconstitucional, portanto, seria perfeitamente justificável.
No entanto, mesmo afastado esse aparte, estamos falando de infrações que, em circunstâncias normais, mal seriam processadas e que, caso fossem, certamente, não resultariam em detenção após condenação. E ainda assim, esses indivíduos foram submetidos a meses de prisão após operações de busca e apreensão agressivas e espetacularizadas.
Isso nos leva ao verdadeiro âmago da questão: a operação Venire nada mais foi do que um pretexto para práticas insidiosas como "fishing expedition" e tortura psicológica. Para os não familiarizados, o termo "fishing expedition" refere-se à tática usada por autoridades para criar uma "desculpa" que lhes permita violar os direitos de uma pessoa com o objetivo de descobrir informações adicionais. Nesse caso específico, as buscas possibilitaram a apreensão de celulares de pessoas próximas a Bolsonaro, incluindo conversas e documentos relacionados ao presidente. E isso incluiu Mauro Cid, Tenente Coronel do Exército e ex-ajudante de ordens do presidente.
O fishing expedition se conecta à segunda artimanha sinistra: a prisão preventiva e a tortura psicológica. Uma vez que as autoridades estão de posse das conversas e documentos obtidos, os investigados são então colocados sob uma "prisão preventiva" completamente injustificável. Como disse, tais crimes sequer levariam à prisão. Além disso, todas as diligências já haviam sido completadas e os requisitos legais de uma prisão preventiva eram tão ausentes que o próprio ministro Alexandre de Moraes sequer se dá o trabalho de listá-los de forma precisa nas suas decisões.
Então, por que os investigados foram presos? Bom, após sua prisão começa a fase de terror, onde a Polícia Federal e Ministério Público começam a devassar a vida do sujeito e procurar até as multas de trânsito. Isso ocorre em conjunto com uma série de depoimentos forçados (uma vez que o investigado está sob custódia) na Polícia Federal. A ideia é deixar claro que ele será implicado em muitos outros crimes (jóias, "golpe", etc) e a única forma dele sair dali é através de uma colaboração.
Mas o método de pressão não para por aí. Geralmente, há uma asfixia financeira através do bloqueio de bens e suspensão de salários. E para colocar a cereja no bolo, até mesmo membros da família podem ser envolvidos e penalizados. No caso de Mauro Cid, por exemplo, sua esposa Gabriela foi implicada por utilizar o cartão de vacinação adulterado.
Tudo isso é, claro, é acompanhado por um assassinato de reputação, uma espetacularização e uma tentativa de manipulação da opinião pública cuidadosamente conduzidos através de vazamentos seletivos de partes sigilosas do processo, abraçados e divulgados com entusiasmo pela mídia mainstream.
O caso de Mauro Cid não é um episódio isolado de "fishing expedition", de vazamentos de processos sigilosos ou de prisão com o intuito de forçar colaboração e tortura psicológica. Outros exemplos de tais práticas também surgem nas esferas mais altas do governo. Apenas em um exemplo recente, a Polícia Federal confessou o fishing expedition ao manifestar interesse em acessar o conteúdo do celular de Renan Bolsonaro. O aparelho havia sido originalmente apreendido pela Polícia Civil em um caso não relacionado, mas a nossa Gestapo queria investigar as conversas entre Renan e seu pai, o presidente Jair Bolsonaro.
Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, enfrentou a mesma tática questionável. Ele foi preso "preventivamente" por uma alegada "omissão" ocorrida no dia 8 de janeiro. Não apenas teve seus bens bloqueados, foi afastado da PF e teve o seu salário suspenso, como também permaneceu detido por cinco meses. No meio da detenção, uma suposta "minuta do golpe" - encontrada em sua casa, mas que também estava disponível a todos em uma busca do Google - passou a ser a justificativa esdrúxula para a manutenção do encarceiramento.
É inconveniente, mas necessário, ressaltar que essas táticas não são novas no cenário brasileiro. Elas foram extensivamente empregadas sem escrúpulos durante a Operação Lava-Jato . Naquele momento, a "direita" aplaudiu as ações e elevou os carrascos ao estatus de heróis, enquanto advogados "garantistas" da esquerda levantavam críticas legítimas ao processo legal. Agora, observamos uma reviravolta irônica: esses mesmos garantistas parecem aplaudir métodos que outrora consideravam ilegais e imorais fechando os olhos para as preocupações legitimamente levantadas pela direita, enquanto seguem premiando - literalmente, no caso - os carrascos com títulos e honrarias.
E isso nos leva a uma triste constatação: a média dos brasileiros, seja de direita ou de esquerda, não está interessada em democracia, isonomia, legalismo ou estado de direito. Esses são valores que chegaram ao Brasil em uma versão mal traduzida e são invocados de maneira oportuna, dependendo de quem está no poder. O que o brasileiro médio realmente deseja é um ditador que compartilhe de suas opiniões e persiga aqueles que ele considera adversários. Esta é a triste realidade da política brasileira atual.
Paulo Figueiredo Filho é jornalista em exílio perseguido pelo Supremo Tribunal Federal.
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