A crise diplomática entre a Venezuela e a Guiana em torno da disputa pelo território de Essequibo tem aumentado drasticamente nos últimos tempos. Diante das ameaças de intervenção militar feitas pelo presidente venezuelano Nicolás Maduro, que convocou um referendo para o dia 3 de dezembro buscando respaldo popular para suas intenções expansionistas, o governo brasileiro decidiu elevar o estado de alerta e reforçar sua presença de segurança na fronteira com a Venezuela, especialmente no município de Pacaraima, em Roraima.
A controvérsia que hoje volta a opor Venezuela e Guiana é antiga, remontando ao período colonial sul-americano. No século XVII, a região correspondente ao atual território guianense foi cedida pelos holandeses aos britânicos sem que houvesse uma delimitação precisa das fronteiras com as possessões espanholas na América do Sul – origem longínqua da atual Venezuela.
Desde então, Caracas sustenta que a faixa de 74% do território guianense conhecida como Essequibo, rica em recursos naturais, é parte legítima do patrimônio venezuelano. Em 1962, sob pressão internacional, um tribunal arbitral estabeleceu os contornos definitivos entre os dois países, mas a Venezuela nunca reconheceu essa decisão, mantendo vivas suas pretensões.
O tema voltou à tona em 2015, quando vastas reservas de petróleo foram descobertas na plataforma submarina de Essequibo, despertando o interesse venezuelano. Ignorando os acordos firmados por seu antecessor, Hugo Chávez, durante uma visita diplomática à Georgetown em 2004, quando a Venezuela havia formalmente desistido de suas reivindicações, o presidente Nicolás Maduro passou a reacender a campanha para anexar a região.
Agora, diante do agravamento da crise política e econômica venezuelana, com a população enfrentando grave escassez de itens básicos em meio à hiperinflação, Maduro aposta que obter Essequibo – e o petróleo ali contido – poderia aliviar as pressões internas sobre seu governo autoritário. Por isso, ele pretende usar o referendo de 3 de dezembro para ganhar respaldo popular à tese de que a Venezuela têm direitos legítimos sobre a área, fortalecendo seus argumentos antes de uma possível invasão.
Entretanto, uma intervenção militar venezuelana na região amazônica de Essequibo enfrentaria enormes dificuldades geográficas e logísticas. A densa floresta e o relevo acidentado que recobrem toda a extensa fronteira de mais de 500 km entre os dois países inviabilizam o deslocamento rápido de grandes contingentes de tropas ou equipamentos bélicos pesados.
A rota mais viável para uma invasão seria através do rio Cuyuni, que atravessa a área disputada e poderia servir de linha de suprimentos aos venezuelanos. Mas as forças de Maduro ficariam vulneráveis a emboscadas e táticas de guerrilha por parte dos guianenses ao longo do curso fluvial.
Outra possível estratégia seriam assaltos aerotransportados sobre as localidades no interior do território em litígio. No entanto, a Venezuela carece de uma força aérea capaz de sustentar essa operação complexa por tempo prolongado. Já um eventual desembarque anfíbio tem pouca aplicabilidade prática, dado que a marinha do país está mal equipada e as regiões costeiras de Essequibo não possuem portos, estando as maiores concentrações populacionais ao redor da foz do rio Essequibo, nas proximidades da capital Georgetown.
Há ainda o risco de uma intervenção externa caso Maduro leve adiante seus planos belicistas, já que companhias petrolíferas norte-americanas mantêm contratos de exploração na área. Determinado a defender seus interesses bilionários, o governo dos Estados Unidos tem mobilizado discretamente recursos militares no Caribe, podendo ativar rapidamente um grupo de porta-aviões, contratorpedeiros e fuzileiros navais para apoiar qualquer resistência guianense.
Perante esse cenário de tensões crescentes, as autoridades brasileiras temem uma desestabilização regional com graves repercussões humanitárias. Uma eventual guerra entre Venezuela e Guiana poderia deflagrar uma nova onda migratória de venezuelanos cruzando a fronteira para o Brasil, exacerbando a já difícil situação que o estado de Roraima enfrenta desde 2018 com a chegada maciça de refugiados fugindo da crise vizinha.
Além disso, o Itamaraty quer evitar que a Venezuela tente usar o território brasileiro como rota alternativa para invadir o leste guianense, ao sul de Essequibo, pois a região de fronteira é remotamente povoada e monitorada. Daí a necessidade de se ampliar os recursos de vigilância, especialmente em Pacaraima, pelo potencial logístico do município, que se conecta por via rodoviária ao restante do Brasil.
Portanto, ao decidir elevar o estado de prontidão de seus contingentes na fronteira amazônica, o Ministério da Defesa do Brasil busca se precaver contra qualquer aventura militar venezuelana que coloque em risco a soberania nacional, intensificando o patrulhamento terrestre, fluvial e aéreo. Desta forma, o país se prepara para lidar com os possíveis desdobramentos de uma guerra que, embora localizada entre Venezuela e Guiana, certamente traria graves consequências humanitárias e segurança para toda a região.